Capítulo 06: Falcão do Norte
Naoe havia chegado à área do mapa Yamagata mais ou menos na mesma época. Por um tempo ele vinha indo e voltando entre Tóquio e Yamagata investigando a morte violenta e bizarra de um suspeito ligado a um caso de corrupção, mas finalmente encontrou uma pista e a seguiu até a cidade de Yamagata.
O caso de corrupção, que girava em torno do financiamento e da compra de um terreno para o desenvolvimento de um resort, explodira num enorme escândalo de suborno que envolveu desde bancos até o governo. Os subornos tinham origem em uma grande incorporadora imobiliária com sede em Sendai. Dois membros de sua diretoria ambos com fortes vínculos com o caso haviam morrido.
Trabalhando por conta própria, Naoe usara percepção espiritual e hipnotismo para infiltrar-se na promotoria, e empregara todos os meios ao seu alcance para reunir informações e buscar a verdade. E finalmente conseguira identificar uma pessoa que parecia ter alguma ligação com os «Yami-Sengoku»: Ueshima, uma figura influente na Dieta Nacional e membro do partido no distrito de Yamagata, que aparentemente mantinha relações de longa data com a incorporadora em questão e vinha facilitando favores para ela há bastante tempo. Ele também parecia estar profundamente envolvido no caso atual.
Ueshima era o número dois de uma facção muito influente dentro do partido no poder. De fato, fora considerado um dos favoritos nas eleições de outono para a presidência do partido.
Mas agora que esse caso de corrupção veio à tona (Ueshima provavelmente sofrerá a queda mais dura...)
Assassinatos para destruir provas de suborno. Era assim que Naoe via aquelas mortes estranhas.
Claro, arranjar para que alguém morresse devorado por animais na própria cama era um modo de matar altamente incomum quase inimaginável, na verdade.
Normalmente, ao menos.
Mas não se onryō tivessem sido usados.
Não era de modo algum impossível se Ueshima tivesse fechado algum tipo de acordo com um onshō dos «Yami-Sengoku» para se livrar dos suspeitos do suborno. Ueshima provavelmente teria aceitado um pacto para atravessar a tempestade que ameaçava sua candidatura presidencial e sua carreira parlamentar.
Tendo chegado a essa hipótese, Naoe passou a vigiar Ueshima por cerca de uma semana. Ueshima voltou para sua residência em Yamagata e não fez outros movimentos. Naoe checou minuciosamente as pessoas que entravam e saíam da casa, utilizando sugestão hipnótica ao máximo para recolher informações.
Finalmente descobrira a identidade do onshō com quem Ueshima negociava, bem como os detalhes do acordo.
O onshō era Mogami Yoshiaki.
O acordo consistia no uso do corpo de Ueshima como receptáculo espiritual por Mogami Yoshiaki.
— Entendo. Já começaram as invocações dos mortos.
Naoe falava ao celular com Ayako dentro de seu Cefiro enquanto fumava um cigarro, no dia seguinte ao da entrada de Ayako e Takaya em Sendai. Era uma das comunicações regulares entre eles para alinharem informações.
Uma barreira fora erguida ao redor da mansão de Ueshima, e todo o «shinenha» estava bloqueado, de modo que ele só conseguia sondar a situação por meio de dispositivos de escuta e afins (ele os havia plantado secretamente nas pessoas que iam e vinham da casa). As ondas de rádio alcançariam seu quarto de hotel, mas ele havia estacionado o carro próximo à mansão e montado vigília ali para poder reagir imediatamente a qualquer evento.
— Então os desabamentos têm mesmo relação com os «Yami-Sengoku» — Naoe franziu o cenho.
— E isso é da parte do Kokuryō-san: parece que os onshō estão aparecendo um após o outro na cidade — Ayako acrescentou. — Preciso fazer uma percepção espiritual mais detalhada, mas a «energia» da terra está realmente estranha.
— Estranha? O «jike» mudou?
— Não sei se mudou ou não, mas não é natural. Não parece algo causado pela reunião normal de pessoas e pelas «energias» dos espíritos; parece mais algo criado ou manipulado. Só que parece muito esquisito de alguma forma.
— Uma «energia» manipulada? Você ainda não achou ligação entre isso e as invocações dos mortos, né?
— Mmm. Ainda não tenho prova positiva, mas acho que terei evidências na próxima vez que conversarmos.
— Entendo. Isso me preocupa. Seja o que for, nossa primeira prioridade deve ser capturar os onshō que fazem essas invocações e realizar o chōbuku o quanto antes, para que mais inocentes não se machuquem. Você vai dar conta disso sozinha?
— Sim, acho que sim.
— ...Então fica com isso — disse Naoe, encerrando a ligação. Após um silêncio, perguntou: — E Kagetora-sama, como está?
— Kagetora? Acho que ele se comportou durante o treinamento especial com o Kokuryō-san. Estava aprendendo meditação.
— Está indo bem?
— Beeeem... — Ayako respondeu com um gemido confuso. — Ele definitivamente tem o gênio de Uesugi Kagetora, e o Kokuryō-san o elogiou bastante, mas o problema parece ser algo dentro dele.
O rosto de Naoe ficou tenso de surpresa. — Uma auto-sugestão?
— Ah, não é isso. Acho que tem a ver com Ougi Takaya. Ele está estranhamente distraído desde que veio a Sendai. Sabe, Naoe, você não ouviu nada, né? Nada sobre Sendai?
— Não...
Na verdade, embora Naoe conhecesse bem Uesugi Kagetora, ele não tinha tanto conhecimento íntimo sobre Ougi Takaya. Takaya não falava sobre si mesmo e recusava deixar que as pessoas o conhecessem.
(Embora eu tenha ouvido que os pais dele se divorciaram há alguns anos...)
— Sabe, Naoe, ele é mais criança do que aparenta. Ele imediatamente afasta as pessoas, mas você não acha que, lá no fundo, ele quer depender de alguém?
Os olhos de Naoe se arregalaram. Ayako continuou: — Eu me pergunto se ele vai abrir o coração para alguém.
— Haruie?
— Naoe. Eu realmente acho que você deveria ficar ao lado dele — Ayako disse com firmeza. — Por ele... por Ougi Takaya. Para esse garoto que não é Kagetora, somos estranhos que ele acabou de conhecer, mas certamente podemos formar novos laços com ele. Talvez Ougi Takaya, e não Uesugi Kagetora, esteja começando a ver Naoe Nobutsuna como alguém necessário a ele?
— O que é isso de repente...
— Ele está confuso. De repente ele é Uesugi Kagetora e foi arrastado para os «Yami-Sengoku» — ele não sabe mais quem é, então está apreensivo. Alguém precisa ficar com ele. Ele é mais frágil do que parece. Muito mais quebradiço e facilmente ferido que aquele garoto Yuzuru.
— Haruie.
Por um instante Ayako ficou em silêncio. Depois admitiu com voz baixa: — Estou começando a achar que ele não é Kagetora.
Naoe piscou.
— Porque ele não sabe de nada! E a personalidade é totalmente diferente. Kagetora era atencioso, cortês, confiável e inteligente, perfeito! Pelo menos, era para mim. Mas esse garoto é totalmente diferente. Como se fosse outra pessoa. Exceto quando ele está aflito, tem o mesmo olhar nos olhos que Kagetora tinha.
Houve uma expressão levemente dolorida no rosto de Naoe.
— Eu sei que você está tentando se redimir diante de Kagetora, mas isso provavelmente machucaria essa criança. Quando vi vocês dois em Matsumoto, pude ver o tipo de confiança que existia entre vocês há muito tempo, e isso me deixou realmente feliz. Eu não quero que a história se repita.
— Haruie.
— Por favor, fique ao lado dele... Por favor, fique ao lado de Ougi Takaya, desse menino que não é Kagetora, e o ajude.
Naoe ficou calado. Então respondeu com voz baixa, cabeça baixa: — ...Eu ficarei.
Eles desligaram. Naoe recostou-se no banco e fechou os olhos, cansado. As palavras de Ayako ecoaram em seus ouvidos: “Não quero que a história se repita.”
(—Não deixarei a história se repetir...), murmurou Naoe em sua mente, como se respondesse. Gravara aquelas palavras incessantemente em seu coração: se tivesse a chance de refazer tudo, não permitiria que a história se repetisse. Que não faria nada que causasse dor ou tristeza àquela pessoa. — E assim, mesmo que tivesse que enganar a si mesmo...
Não era difícil.
Ele podia suportar a agonia de mentir para si mesmo. Era nada comparado com a forma como a havia ferido.
“Jamais te perdoarei por toda a eternidade.”
Aquela declaração de exílio de trinta anos antes, cuspida como se banhada no sangue de Kagetora, ainda ecoava sem cessar em seus ouvidos. Mas agora eram as palavras de Ougi Takaya que o feriam — aquelas palavras que o esquartejavam — e nos últimos dias ele vinha acordando coberto de suor frio.
(Acho que estou apenas cansado.)
Afundado em reflexão, Naoe levou o filtro do cigarro aos lábios.
Não vinha dormindo o suficiente ultimamente, e agora lamentava não ter tomado o cuidado de pedir ajuda a Nagahide (Yasuda Nagahide — também conhecido como Chiaki Shūhei — ainda estava em Matsumoto guardando Narita Yuzuru). Percebendo que vinha se enterrando em trabalho para evitar Kagetora, Naoe mergulhou numa depressão ainda mais profunda.
“Talvez o garoto que é Ougi Takaya comece a ver Naoe Nobutsuna como alguém necessário a ele?”
Provavelmente era verdade.
Ele já não era ‘Kagetora’ ou ao menos, agora era ‘Ougi Takaya’. Não que Naoe não conseguisse entender Haruie ao considerá-lo uma pessoa diferente, mesmo sabendo que ambos eram, de fato, a mesma pessoa.
(É errado fazer reparações a essa pessoa chamada ‘Ougi Takaya’?)
Seria covardia fazê-lo para alguém que não era Kagetora?
Minhas reparações não deveriam ser feitas ao Kagetora que disse que nunca me perdoaria?
(Mas aqui não há ninguém além dele para mim...)
Servir Ougi Takaya era a única coisa que Naoe podia fazer.
Ele estava decidido. Não deixaria a história se repetir.
Mas sentia apreensão e inquietação. Porque a história poderia, de fato, se repetir.
Será que Naoe era realmente capaz de ajudar a mente de Takaya naquele estado?
O cigarro apagou, e ele afundou a testa nas mãos.
Kokuryō certamente conseguiria extrair uma parte dos poderes de Kagetora. Se Takaya pudesse controlar o que já tinha agora, seria suficiente.
(Mas a auto-sugestão dele provavelmente não se dissolverá tão facilmente...)
Mesmo Takaya não encontraria essa solução simples.
Mas, acima de tudo, para Naoe
(Não quero que se dissolva.)
Sim, esse era seu pensamento.
(Sou um egoísta de merda...), xingou a si mesmo, mas não conseguiu negar seus sentimentos verdadeiros.
Era, sem dúvida, verdade que os enormes poderes de Kagetora seriam necessários para destruir os «Yami-Sengoku». Na verdade, Naoe não sabia se conseguiriam resistir mesmo com todo o seu poder. Precisavam dos poderes do antigo Kagetora. Mas ele não poderia usá-los em plena medida sem restaurar suas memórias.
— E lembrará de você. Lembrará de Minako.
As palavras de Nagahide vieram à mente.
Os olhos de Naoe baixaram como se tentasse suportar o peso daquelas palavras.
Sim. Kagetora lembraria. Não, ele tinha que lembrar. E Naoe mesmo, que mais que ninguém desejara esquecer, teria que...
Kitazato Minako
Aquela que tanto os compreendia.
A mulher que Kagetora amara por sobre todas.
A mulher que fora arrastada para a luta contra Oda Nobunaga, e que Kagetora confiara a Naoe naquele dia, trinta anos antes. Ele ordenara que Naoe a protegesse e a levasse a um lugar seguro longe da batalha. A ordem fora prova da confiança de Kagetora em Naoe, apesar de seu ódio.
Uma confiança que ele traíra.
Para Kagetora não poderia haver ato mais hediondo.
“Jamais te perdoarei por toda a eternidade.”
Essas memórias torturantes voltaram à vida mais uma vez.
Minako, membros finos agitados em desespero.
Naoe, segurando-a com força e arrancando suas roupas enquanto ela gritava e chamava o nome de Kagetora
Ela devia ter visto olhos bestiais olhando para baixo.
E ele, que se transformara naquele monstro
Que nome seu coração clamara?
Um nome que o rasgara por dentro.
Quando aquela cruel noite virou amanhecer
Ao lado do corpo nu de Minako, imóvel como uma boneca despedaçada, seu coração humano retornara, e sentira apenas surpresa diante de suas próprias ações atrozmente bestiais. A vergonha e o auto-ódio lhe haviam cavado um buraco no coração que jamais se curaria. E Minako dissera apenas uma coisa para suas costas encolhidas e geladas, dor profunda em seus olhos.
Eu merecia qualquer escárnio ou abuso que ela quisesse lançar. Eu, que a havia violado, merecia ‘ele me estuprou’ e qualquer ato de crueldade em retribuição. Minako não deveria acreditar em mim, qualquer coisa que eu fizesse. Ela deveria estar estupefata e aterrorizada; deveria me desprezar. E, ainda assim. E, no entanto, ela. Minako.
Meu tratamento vis básico para com Kagetora e Minako, esse erro que esmagou quatro séculos numa única noite: fora ela, sabendo de tudo, quem me salvou.
Dizendo apenas uma pequena coisa
Ela olhou para mim com olhos de bodhisattva machucados.
Mas para essa pessoa que poderia ter sido seu bodhisattva
Eu...
Eu havia desferido o golpe final com aquele abominável ato chamado ‘kanshō’.
Fui eu quem forçou essas duas que tanto se amavam.
Por que os lábios de Minako tiveram que pronunciar as palavras de Kagetora?
Em quem teria nascido a pequena vida concebida naquela carne?
Por que acabou assim?
(Posso realmente recomeçar?)
Pensar isso diante do Kagetora que perdera suas memórias era insuportável. Sim, era verdade. Ele, que fingia pesar, sentia apenas alegria nas profundezas ocultas do seu coração por Kagetora ter esquecido sua vergonha.
Será que Kagetora poderia ter lhe dado essa chance, embora tal egoísmo o maculasse?
De repente deprimido mais uma vez, Naoe olhou as luzes solitárias ao longo da rua.
Um BMW preto passou por ele e subiu até os portões da mansão de Ueshima.
Um homem de meia-idade trajando roupas tradicionais japonesas desembarcou com vários acompanhantes. Foram calorosamente recebidos e conduzidos para dentro. Pareciam ser convidados de Ueshima.
Naoe inclinou-se e aumentou o volume dos receptores em seus dispositivos de escuta. Havia grande excitação e movimentação dentro da casa. (Quem é o convidado?) Um rápido relance não permitiu identificação precisa. Mas sentia que vira aquela pessoa antes.
(Alguém ligado ao mundo político...?)
Começou uma conferência dentro da casa. Alguns minutos depois
— Estamos progredindo firmemente na captura de Sendai.
Dois homens conversavam no parlor. Sentado numa grande cadeira de tatami, o representante Ueshima não, o general Sengoku Mogami Yoshiaki disse ao seu convidado de meia-idade vestido à moda antiga:
— Os Date parecem bastante distraídos, graças às tuas forças Ashina. Assim, expulsaremos os espíritos de Date antes mesmo de completarmos o «jike-kekkai».
— De fato. Nossos onryō rasgarão as almas dos Date e as condenarão a uma dor eterna. — Seu convidado riu altivamente. — Não permitirei que sejam purificados. Irei extinguir seus seres e «acorrentar» seus espíritos para que sirvam como nossos servos. Eles se tornarão nossa força; assim eliminaremos todas as ameaças no Nordeste e matamos dois coelhos com uma cajadada só. Parece que Date ainda não percebeu a aliança entre Mogami e Ashina.
Mogami Yoshiaki ergueu um copo de saquê aos lábios. —Ashina-dono, carregas ainda teu ódio por Date?
—Como poderia esquecer? — cuspiu Ashina Moriuji. — Nós, os Ashina, nobres desde o Período Kamakura, fomos tão magnificamente arruinados por Date. E outro ainda: o filho de Satake não deveria ter sido adotado no clã. Ashina foi destruída porque um homem assim tornou-se cabeça do clã. O infortúnio de minha casa foi uma maldição lançada por Date e Satake. Contudo, esta batalha findará de modo diverso. A ressurreição deste ‘Líder da Era Dourada’ Ashina Moriuji não permitirá mais que esses novatos façam o que bem entenderem. Eu lhes mostrarei o verdadeiro poder dos Ashina.
— Confio-te essa tarefa, Ashina-dono. Certamente tomarás a cabeça do Dragão de Um Olho dos Date.
— Não preciso de bajulação.
— Não é bajulação. Falo de coração. E há uma tarefa a mais que devo pedir-te.
Os dois se olharam por um instante. Com olhos sempre em guarda.
— Achas que eu me deixo enganar por ti? — murmurou Ashina Moriuji, as feições de sua veste espiritual retorcendo-se. Um sorriso astuto surgiu no rosto angular de Ueshima.
— Por favor, descanse esta noite.
(Aquilo foi uma surpresa...)
Naoe, que ouvira toda a conversa pelos bugs plantados, gemeu surpreso.
(Ashina e Mogami, trabalhando juntos...)
Já ouvira relatos da revivescência dos Ashina, mas não imaginara que uma aliança já se formara. E, além disso, que estivessem tecendo uma armadilha contra os Date...
(E o outro que ouvi... «jike-kekkai»...?)
A porta deslizou de repente, e vários homens saíram, entre eles o homem trajado tradicionalmente de antes — talvez Ashina Moriuji. Naoe esforçou os olhos na escuridão. Um pequeno homem de meia-idade, rosto estreito e cabelos brancos.
(Aquele homem é...)
Naoe estremeceu, reconhecendo-o de repente.
(Aquele não é o representante da Dieta Hirabayashi Mikio?)
Hirabayashi era líder do Partido Hirabayashi, facção à qual Ueshima pertencia. Ex-primeiro-ministro e uma voz poderosa dentro do partido. E aquela era a veste de Ashina Moriuji!
Dada essa conexão, não era estranho que Hirabayashi e Ueshima se convivessem. Mas possuir pessoas em posições políticas tão proeminentes... Certamente a possessão de Ueshima por Mogami não fora obra do acaso, mas Ashina fazer de alguém tão influente quanto Hirabayashi seu receptáculo...?
(Que diabos estão tramando?)
Quando o BMW preto de Hirabayashi sumiu na noite, uma voz feminina veio pelos dispositivos de escuta.
—Já retornou teu convidado?
Uma mulher atraente saiu do quarto do tatami. Yoshiaki sorriu e abriu-se.
—Ele voltou cedo demais. Será que pensa que o servimos com veneno?
—O que, nós faríamos tal.
Yoshiaki reclinou-se no assento de tatami e deu uma longa tragada no cachimbo. —Esses recipientes que ocupamos são insuportáveis. Bem. É verdade que são apenas velhos senis, mas seus poderes são certamente mais úteis em grande escala do que os de um «poder» não treinado.
Fumaça subiu ao teto envelhecido.
— Um poder que permite mover o mundo, hm?
—Já se passaram três anos desde que ressuscitamos neste mundo. Agora o terreno finalmente está preparado.
— Mmm. Levou-nos tempo para entender o estado atual das coisas, mas o mundo dos homens parece não mudar.
Yoshiaki riscou um círculo no ar com a ponta do cachimbo.
— Dinheiro e influência. Pessoas venderiam até suas almas para se proteger. Ou, neste caso, seus corpos.
—Tolos.
— Sim. São tolos. Aqueles que se esqueceram da batalha apodrecem sob o peso de seu próprio egoísmo curta-visão. Um governo formado por aqueles que estão podres torna-se ele próprio podre. Tal é o caminho das coisas, Oyoshi.
A mulher encarou Mogami com força. — Aniue, desejas verdadeiramente mergulhar este mundo no caos da guerra outra vez?
— Não desejo guerra. Não entrarei em guerra. Não entrarei em guerra, mas obtivemos agora um poder para mover este mundo. Por isso tomei este receptáculo espiritual. Pelo Mogami.
Sua irmã mais nova, Yoshihime que também era mãe de Masamune, Ohigashi-no-Kata estreitou os olhos contra o irmão.
— Se falares levianamente, poderá chegar aos ouvidos dele.
—Aquele, hm? — Os olhos de Yoshiaki estavam cheios de diversão. — Até a Princesa Demônio do Ōu o teme?
O rosto de Yoshihime enrijecia ao encarar o irmão. — Eu o temo. Não posso deixar de pensar que ele está trazendo algo terrível a esta terra do Nordeste.
— Isso te cai mal, Yoshi. Em todo caso, como está Kojirō? Uma vez que Sendai caia em nossas mãos, penso em confiar Yamagata a ele como meu procurador. Certamente não é inferior a Masamune em porte. Sem dúvida será um bom comandante.
—De fato.
Outra voz vindo da direção do quarto do tatami interrompeu a conversa. Os dois se voltaram e viram que, sem que eles soubessem, um jovem esbelto estava parado do outro lado da porta de correr. Havia quanto tempo ouvira a conversa? — Yoshiaki e Yoshihime empalideceram, mas o jovem falou com uma voz doce, sem se importar com o que se dissera antes: — Ficai à vontade, Mogami-dono. Kojirō-dono dos Date é um jovem guerreiro excelente. Estamos em pleno entendimento. Contudo, Mogami-dono. Há ratos nesta sala.
— Oq...!
O jovem caminhou, rindo, e levantou a pintura do rolo pendurada no tokonoma.
—Ah!
O jovem sorriu para Yoshiaki, que se encolheu.
— As orelhas de um grande rato — disse o jovem, e esmagou com a mão o minúsculo microfone do bug que segurava.
—Um rato, aí!
—!
O dispositivo de escuta cortou com um estouro de estática. Naoe arrancara o receptor no mesmo instante, sabendo que aquilo prenunciava desastre.
(Notaram...?!), pensou, quando o carro tremeu. Thud! Sentiu o carro ceder.
(O que!)
O corpo do carro rangeu alto, envolvido por um poder anormal. Um vento ardente de repente queimou a área ao redor dele. Nesse instante
—!
O Cefiro explodiu em uma coluna de fogo com um estrondo terrível.
—Não fuja, seu «nue»!
O dono daquela voz aguda saltou por cima da cerca junto com uma esfera de fogo rubra.
O Cefiro estremeceu enquanto queimava em chamas crimsons. Naoe, que rolara para fora do carro por um triz, estremeceu agachado no chão, com a mão pressionada contra o ombro direito.
(Isso é o «poder» deles?!)
Algo uivou atrás dele. Ele girou para ver chamas vermelho-escuro abrindo uma gigantesca boca em ataque.
Seu «nenpa» rompeu as chamas. Entidades que eram torrões flamejantes contendo faces humanas putrefatas apareceram perto dele. Suas bocas excessivamente grandes se abriram enquanto avançavam.
(Ém «kaki»...!)
Uma face flamejante atacou, cuspindo saliva ardente. Ele a enfrentou e liberou seu «nenpa». A face foi despedaçada com um grito grotesco. Mas os pedaços se reuniram imediatamente e voltaram à forma humana original.
(O que?!)
«Kaki» eram aglomerados de emoções de quem morrera no fogo. Um tipo de tsukumogami imaterial associado a desastres de fogo. Por serem sentimentos remanescentes, deveriam dispersar e desaparecer quando sua mente os pulverizava.
(Não são «kaki» comuns!)
Ele defendeu o próximo e o próximo ataque dos «kaki» com «nenpa», mas eles apenas se desfaziam e se recompunham novamente. O combate parecia interminável. Ao despedaçar mais um com «nenpa», Naoe percebeu de súbito: claro!
(Eles não são só aglomerados de emoção!)
Eram «nue» revestidos de emoções onryō!
(Então chōbuku!)
Naoe concentrou-se e reuniu seu «poder». Quando as figuras humanas mascaradas pelo fogo atacaram simultaneamente, prestes a engolfá-lo, ele bradou com voz estrondosa:
(bai)!
O ar congelou. Os onryō revestidos de «kaki» ficaram completamente paralisados.
— Noumakusamanda bodanan baishiramandaya sowaka! — Naoe gritou.
— Namu Tobatsu Bishamonten! Para esta subjugo demoníaca, empresta-me teu poder!
Ele abriu as mãos em gesto cerimonial na direção dos «nue».
— Chōbuku!
Luz irrompeu de suas mãos. A luz branca despedaçou os «nue» um a um.
—!
Ele sentiu uma energia letal terrível vindo diretamente por trás. Uma flecha invisível o atingiu quando se virou.
—Ugh!
Vontade atirada como pedras o envolveu por todo o corpo, e ele caiu no asfalto.
(Quem...!)
Ele concentrou «nenpa» na palma da mão. Seus olhos lacrimejantes não conseguiam focalizar o oponente.
Mas podia sentir uma aura incrível!
(Vai chegar...!)
O «poder» de alguém o atacou pela frente. Naoe prontamente ergueu um «goshinha» em torno de si.
Os dois «poderes» colidiram. Naoe empurrou as mãos, esticando suas forças ao limite para sustentar o «goshinheki». O ar uivou.
...
Ainda sustentando o «nenpa» esmagador com seu «goshinheki», Naoe se pôs de pé. Então convocou um «nenpa» com toda sua força.
— Gwaaaah!
Boom boom boom...!
Uma gigantesca fissura rasgou o chão aos pés de Naoe.
Naoe não perdeu o instante em que seu oponente vacilou. Arremessou tudo num «nenpa».
—!
O raio de plasma mortal foi defletido; as árvores e a cerca ao redor incendiaram-se num ápice. Uma «parede» evidentemente interceptara o «nenpa» de Naoe. Aquele não era um oponente comum!
(Nenhum «poder» nesse nível quem...?!)
— Guh!
Um novo atacante golpeou vindo da área praticamente vazia atrás dele. Uma corrente invisível enroscou-se ao redor dele, penetrando mais e mais no corpo. Não conseguia mover-se. Agonia!
(Então são dois...?!)
Parece que um relâmpago correra por todo o seu corpo.
Naoe caiu silenciosamente.
E permaneceu imóvel.
O silêncio retornou à ruela. As árvores e a cerca do jardim continuavam a arder, pegando apenas os remanescentes de fogo. Depois de verificar que Naoe perdera a consciência, Mogami Yoshiaki aproximou-se de sua irmã.
— Um indivíduo assustador. Teria corrido perigo sem teu auxílio.
— Aniue. Quem é aquele...
O jovem mestiço que estivera presente aproximou-se de Mogami e Ohigashi-no-Kata pelo lado. Observou Naoe imóvel e sorriu com riso divertido.
— Humph. Pensei que um grande rato houvesse se enfiado aqui, mas trata-se de um dos demônios dos Uesugi.
— Uesugi?!
O jovem olhou para Yoshiaki com um sorriso angelical.
— Este homem é Naoe Nobutsuna, um dos kanshōsha de Uesugi. Parece que a Yasha-shū de Uesugi já penetraram também no Nordeste.
— Yasha-shū de Uesugi!
— Se assim for, então devem ter também se infiltrado em Sendai. Pois bem. Será ainda melhor. Creio que acharemos o «poder» deste homem bastante útil.
O jovem sorriu de forma angelical.
— Agora partirei, mas gostaria de oferecer a Mogami-dono um presente modesto.
— ?
— Gostaria de oferecer-te uma cela impenetrável para aprisionar ratos. Se me permitires auxiliar na sua confecção, tua celebérrima força será mais que suficiente para sua manutenção um leve sorriso ergueu seus lábios.
— O rato não será autorizado a fazer nada em sua cela. Depois, Mogami-dono, terás a liberdade para grelhá-lo e torturá-lo como bem entenderes.
—...!
Os olhos do jovem brilharam com uma crueldade que até endureceu os rostos dos dois Mogami. Ignorando as reações, o jovem fungou em riso e olhou para os fogo remanescentes, seus cabelos sedosos ondulando na brisa.
O fogo refletiu num brilho violeta nos olhos de Mori Ranmaru.
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