Capítulo 31
Há uma coisa que eu não contei a Tann.
Pousei no Aeroporto John F. Kennedy depois de um voo de vinte horas. Após passar pelo controle de imigração e pegar minha mala grande, me dirigi à saída. A atmosfera matinal parecia totalmente diferente do que eu estava acostumado. Eu, um homem comum da Tailândia, vestido apenas com um cachecol, havia chegado a este país. A multidão ao meu redor era formada apenas por estrangeiros, cada um refletindo a diversidade étnica do país. Isso me deixou ainda mais animado. Eu estava fascinado pelo que me cercava.
Prometi fazer uma chamada de vídeo para Tann assim que chegasse ao aeroporto e, por sorte, o Wi-Fi estava disponível por um curto período. Arrastei minhas malas e me posicionei em um canto tranquilo o suficiente para iniciar uma chamada pelo FaceTime com Tann. Eram 7h da manhã no horário local, então devia ser 19h na Tailândia.
O rosto de Tann apareceu de repente na tela. Suas feições estavam carregadas de alívio.
— Bunn!
— Cheguei! — afastei o telefone de meu rosto a uma distância razoável, sorrindo para ele.
[Que bom. Eu já estava começando a me preocupar aqui. Acompanhei seu voo pelo app da companhia o tempo todo.] Tann resmungou. Percebi que ele não estava em casa. [E aí, como você está? Não está com as pernas dormentes depois do voo?]
— Tive formigas nas pernas o tempo todo, mesmo conseguindo dormir um pouco. Não sofri tanto quanto imaginava. E você, o que está fazendo agora?
[Estou em aula.]
— Você está realmente atendendo minha chamada enquanto trabalha?
Tann riu. [Não podia ignorar sua chamada. Disse aos meus alunos que minha outra metade ia me ligar.]
Suspirei. — Cuidado. Não vai impressioná-los tanto assim. Sou um idiota, esqueci de te enviar uma mensagem antes para ver se você estava disponível.
[Tudo bem. Você ainda está no aeroporto?]
— Sim.
[Como vai chegar ao seu alojamento?]
Pensei por um instante... — Táxi… ah, Tann, estou usando o Wi-Fi gratuito do aeroporto e não tenho muito tempo. Quando tiver uma nova conexão, te ligo de novo.
[Beleza, sem problemas.] Tann aproximou o rosto da tela, mostrando claramente a boca. [Sinto sua falta.]
— Eu também sinto. Te ligo mais tarde.
Desliguei e fiquei olhando o telefone em silêncio por um instante. Abri o Facebook Messenger e fiz outra chamada.
[Alô?]
— Cheguei.
...
Olhei vagamente para os prédios através da janela. O aquecedor do carro estava tão quente que precisei tirar a jaqueta. Agora que eu podia ver melhor, os veículos em Nova York não eram tão diferentes dos usados na Tailândia. Havia muitos carros japoneses por toda parte. Eu estava completamente fascinado pelo que acontecia à minha frente. O motorista me percebeu e riu.
— É parecido com Bangkok?
— Sim, o trânsito é igualmente ruim. — Observei a linha de metrô construída ao longo da avenida.
— Sempre é assim nas grandes cidades, especialmente na hora do rush.
Ficamos em silêncio por um momento, até que ele quebrou o clima com sua voz calma:
— E você, Bunn?
Virei-me para o homem no banco do motorista, que também me observava desde que o carro ficou preso no trânsito.
— Estou bem, e você?
Decidi enviar uma solicitação de amizade a Tarr no Facebook no dia em que recebi a bolsa para estudar no Hospital da Universidade de Nova York. Fiz isso de propósito, porque queria informações sobre apartamentos para estudantes internacionais e conhecer a vida nos Estados Unidos pela perspectiva dele, já que era a única pessoa que eu conhecia que tinha vivido lá. Tarr me forneceu inúmeras informações sobre aluguel de apartamentos e transporte público em Nova York, o que foi extremamente útil. Ele e eu estávamos em contato antes de Tann e eu decidirmos ficar juntos. Decidi que seria melhor não contar a Tann por causa do ciúme infantil dele. Isso só teria sabotado nosso relacionamento recém-iniciado.
— Nada de novo. Meu restaurante tailandês está indo bem. Levo você lá para jantar hoje à noite.
Fixei meu olhar no homem que não via há mais de doze anos. Tarr continuava um homem bonito. Usava óculos de armação preta e uma jaqueta de couro marrom, com um cachecol cinza ao redor do pescoço.
— Tarr, queria te perguntar uma coisa.
— Hmm? — Tarr ergueu as sobrancelhas, curioso. Seus olhos voltaram à estrada quando os carros à nossa frente começaram a se mover novamente.
— Você conhece uma mulher chamada Prae?
Ele franziu a testa, confuso. — Conheço umas três ou quatro garotas com esse nome. Você vai ter que ser mais específico.
— Prae, minha ex-namorada do ano passado.
Tarr demorou um momento para responder.
— Como eu ia saber quem é a sua ex? A gente não se fala desde o nosso término.
— Ah, então esquece.
Para ser sincero, o que Prae me disse ainda me incomoda. O principal suspeito era Tarr, mas ele acabou de tirar minhas dúvidas.
— E o seu namorado, onde está?
— Steve deve estar no hospital ainda. Ele fez o turno da noite. Provavelmente vai chegar em casa e dormir o dia todo, — responde Tarr. Eu nem pretendia perguntar sobre esse homem, mas quando vi a foto dos dois no perfil dele, sorrindo juntos, não resisti à curiosidade. Steve ou Steeve Ying é sino-americano e vive em Nova York.
— Essa carreira de enfermagem vai acabar matando ele, tô te dizendo. Vive reclamando dos pacientes.
— Por isso eu preferi trabalhar com mortos. Eles não são tão exigentes.
Tarr ri da minha piada.
— Verdade, eles não têm mais do que reclamar. Vou acordar o Steve e jantamos juntos hoje, assim vocês se conhecem melhor.
— Só não comenta sobre o nosso passado com ele. Diz que fomos amigos na Tailândia, só isso. Não quero problema, tá bom?
— Fica tranquilo. Quero continuar com meu namorado, muito obrigado. — Nós dois rimos. — E você, Bunn? Como vai a vida amorosa? Ainda saindo com mulheres?
— Namorar mulheres não deu muito certo... — admito. — Agora eu tenho um namorado.
— Então você finalmente aceitou quem realmente é, hein? — disse Tarr, antes de perceber o que acabara de dizer. — Desculpa... não quis dizer desse jeito.
Fiquei alguns segundos sem reação.
— Tudo bem. Sei que você ainda guarda mágoa de mim, mas isso foi há muito tempo. Gostaria que pudesse me perdoar. — Volto a olhar para ele. — Ainda podemos ser amigos?
— Claro. O que passou, passou. Nunca é tarde pra recomeçar. É bom te ver de novo, Bunn.
Tarr sorri o mesmo sorriso que vi quando aceitei ser seu namorado, há doze anos.
Não notei nada suspeito em suas reações, mas percebi um leve traço de ressentimento em sua voz quando mencionei que tinha um namorado. Uma vez perguntei a Tann se vingar por amor era estupidez. Acho que vou ter de reconsiderar essa questão.
Apesar do início do jet lag resultado das doze horas de fuso horário, me obrigo a aceitar o convite para jantar no restaurante de Tarr. É um restaurante tailandês, do qual ele é um dos sócios, localizado numa esquina movimentada de Queens.
Embora pequeno, o lugar parece popular: pessoas de todos os tipos entram e saem para fazer pedidos. A decoração é simples, com apenas alguns quadros tailandeses antigos pendurados nas paredes. O ar está impregnado com o aroma delicioso da comida. Tarr cumprimenta uma jovem garçonete tailandesa enquanto examino o cardápio, muito bem feito.
Não consigo acreditar que um simples prato de porco salteado com arroz e ovo frito custe o equivalente a quatrocentos bahts.
— Não precisa pedir nada, já deixei tudo preparado — diz Tarr, servindo-me um copo de água. — Mas, se quiser outra coisa, é só falar.
— Não, não, o que você escolheu vai ser perfeito. — Não sou exigente, mas não pude deixar de pensar como aquilo era típico dele: Tarr sempre foi um líder, faz o que quer sem pedir opinião. Provavelmente esse foi um dos motivos do nosso rompimento eu nunca fui o tipo que obedece sem questionar.
Viro o cardápio para a seção de sobremesas, curioso.
— Uau, vocês têm bolinhas de taro no leite de coco!
— E são deliciosas, pode acreditar. Mando trazer pra você quando terminarmos o jantar.
Tarr olha o relógio.
— O Steeve disse que estaria aqui há quase cinco minutos. O que será que tá demorando tanto?
Ele pega o celular e liga para o namorado, mas o meu telefone toca ao mesmo tempo é uma chamada de vídeo de Tann. Atendo imediatamente, e o sorriso dele preenche a tela.
— Tá acordado? — digo, sorrindo. — Desculpa por não ter te ligado depois de comprar o pacote de internet. Devem ser duas da manhã aí na Tailândia.
[Isso nunca te impediu antes. Você costumava me ligar de madrugada, lembra? Fiquei bravo por não ter ligado desta vez.]
— Você não parece bravo.
Tann ri. [Tô brincando. É verdade, eu tava dormindo. Onde você está?]
Temos aquela conversa boba típica de casais à distância. Conto a Tann que estou jantando com um conhecido de Nova York, mas percebo certa desconfiança em sua voz. No fundo, tenho medo de que descubra que esse “conhecido” é, na verdade, Tarr meu ex. Parte de mim quer contar tudo; outra parte teme as consequências. Se ele souber depois, vai ser bem pior.
Tarr se inclina, curioso para ver com quem estou falando.
— Boa sorte com a aula hoje. Te ligo à noite. — Nunca imaginei que me tornaria o tipo de pessoa que liga de manhã e à noite para alguém, mas Tann é diferente. É só por ele.
[Combinado. Tenho aula às nove. Beijo.]
— Tá bom. — Encerro a chamada.
A comida chega direto da cozinha, fumegante. O primeiro prato é uma omelete de carne de porco picada, seguida por uma sopa picante de camarão. Tarr chama a garçonete de volta para me servir um prato de arroz e, depois, se vira com um sorriso.
— Aquele era seu namorado?
— Sim — respondo, agradecendo à garçonete.
— Há quanto tempo vocês estão juntos?
Percebo uma mudança sutil no tom da voz dele.
— Nos conhecemos há quase um ano... mas estamos juntos há uns dois meses.
O modo como ele me olha é o mesmo de doze anos atrás intenso, intimidador. Alguém poderia até achar que ele está pensando em destruir meu relacionamento com Tann, como talvez tenha feito com Prae.
Mas, antes de tirar conclusões, preciso ter certeza de que foi mesmo ele quem falou com ela.
— Desculpe o atraso, Tarr. O metrô deu problema. — Uma voz com forte sotaque americano chama a atenção dele. Olho para o recém-chegado: Steeve Ying. O homem é ainda mais bonito pessoalmente veste jaqueta de couro preta e cachecol vermelho; a pele é pálida, os olhos escuros, o cabelo preto penteado para trás.
— Tudo bem, a comida acabou de chegar. — responde Tarr em inglês impecável, quase sem sotaque. Ele puxa Steve pelo braço para sentá-lo ao seu lado e aponta para mim. — Este é meu amigo, Bunn. É médico legista na Tailândia. Veio fazer uma especialização no Hospital Universitário.
Steeve estende a mão, e eu a aperto.
— Prazer, sou Steeve Ying.
— Bunn. Prazer em conhecê-lo também. — Espero que meu sotaque tailandês não soe tão forte.
Steeve me dá um grande sorriso encantador. Não é de se admirar que Tarr esteja apaixonado por ele.
— Que legal, cara. Aposto que seu trabalho deve ser fascinante.
A conversa flui naturalmente, e percebo que meu inglês está melhor do que eu pensava. Conto um pouco sobre meu trabalho enquanto saboreamos o jantar um tema que, para muitos, é ao mesmo tempo curioso e assustador. O tempo passa rápido, e pedimos para a garçonete tirar uma foto nossa. Steeve parece realmente gostar de conversar comigo.
No fim da noite, Tarr se oferece para me levar até o apartamento onde ficarei durante os estudos. A dona é uma tailandesa bem-humorada, casada com um americano. Ela ficou feliz em me alugar um quarto especialmente depois que garanti que não traria partes de corpos para casa.
Quando o carro para em frente ao prédio, abro a porta.
— Steeve, vou acompanhar meu amigo até a porta. Já volto avisa Tarr ao namorado, que espera no banco de trás. Ele desce e me acompanha até a entrada.
— Ei, obrigado por hoje — digo, procurando as chaves no bolso do casaco. — As coisas teriam sido bem mais complicadas sem você.
— Imagina. Se precisar de qualquer coisa, pode me procurar, Bunn. Fico feliz que não tenha me esquecido.
Encaro-o friamente por um momento.
— Tarr, preciso te pedir um favor.
Ele me olha, curioso. — O que foi?
— Pode guardar segredo sobre isso? Quero dizer... sobre a gente ter se encontrado. Não quero que meu namorado saiba. Ele é sensível, entende? Se descobrir que falei com meu ex sem contar, vai ficar furioso. Nós passamos por muita coisa e... não quero estragar tudo.
— Claro. Eu nem sei quem ele é. — Tarr dá um tapinha amigável no meu ombro. — Vai, entra. Tá frio, e você ainda não se acostumou.
— Dirija com cuidado.
— Pode deixar. Boa noite, Bunn.
Depois que ele retorna ao carro, giro a chave e entro no apartamento. Encosto-me na parede, tentando acalmar o coração acelerado. Pego o celular. Tann deve estar dando aula agora, já que é sábado de manhã na Tailândia. Abro o chat e digito:
[Me liga quando estiver livre. Precisamos conversar.]
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