Capítulo. 03 :: Serviço de Alimentação Pessoal
O cheiro de frango assado me atingiu em cheio assim que o carro do tio Hem estacionou na praça em frente ao mercado. Uau… tanta gente comprando e vendendo, e o sol nem tinha subido direito ainda! Eu quase pulei do carro de tanta empolgação, correndo direto para o carrinho de sorvete que balançava um sininho metálico encantador.
Caramba, devia estar uma delícia! Um grupo de crianças cercava o vendedor como se fosse um herói.
— Você não tem nenhuma calça comprida? — ouvi a voz grave do tio atrás de mim.
— Hã?
— Isso aí — ele apontou, e eu olhei pra baixo. — Ontem também estava de bermuda.
— É que é mais confortável! Dá pra correr, andar por aí sem problema. — Cruzei os braços. — Por que o senhor tá reparando nisso, hein?
Ele ficou em silêncio. Aposto que o tecido da minha bermuda chamou atenção é importado, sabia? Se quiser uma, vai ter que ir até Bali!
O tio suspirou e se aproximou, dando uma espiada no carrinho de sorvete.
— Quer um?
— Quero... — olhei para as crianças ao redor, todas sorrindo, felizes com seus picolés coloridos. — Só fico na dúvida se é limpo, sabe?
Pá!
— Ai! — esfreguei o ombro, surpreso. — Por que me bateu?!
— Mostre um pouco de respeito pelo senhor ali — ele sussurrou.
Olhei o vendedor de canto de olho. Ainda bem, parece que ele não ouviu nada. Ufa.
— Mas é verdade! — retruquei baixinho. — A mamãe sempre disse que comida de rua é suja.
— E o restaurante da sua avó é cinco estrelas, por acaso?
— Sei lá. Que eles se resolvam, então.
O tio apenas balançou a cabeça e tirou a carteira do bolso.
— Escolhe o que quiser.
— Ei, não precisa! Tenho dinheiro.
— Eu quero pagar. — O olhar dele endureceu, frio e autoritário. — E se discutir comigo, vou ficar irritado. Faça o que eu disse.
Típico. Um ditador! Poxa, tio, eu não sou nenhum elefante ou cavalo do parque nacional pra ser “controlado”.
Mas, pensando bem… alguém pagar por mim não é nada mau.
— Então… recomenda algum sabor?
Ele bufou, rindo pelo nariz, e pediu ao vendedor:
— Dois picolés, um de laranja e outro de… qual você quer?
— Uva.
— Beleza. Um de uva, por favor.
Os picolés pareciam bastões de luz de show de idol laranja e roxo, brilhando quase de forma agressiva. Peguei o meu e dei uma lambida curiosa.
Nossa! Que delícia! Sabor intenso de uva e bem geladinho. Refrescante demais!
De repente, senti algo frio encostar na minha bochecha.
— Ei! — recuei assustado. — Vai me congelar, é?
Ele olhou o picolé laranja e depois pra mim, comparando os tons.
— Combina com você. — murmurou, e deu três mordidas secas até acabar com o dele. Crac, crac, crac.
— Às vezes não entendo o senhor — falei, com as mãos na cintura. — Essa cara séria me deixa confuso. Nunca sei se tá brincando ou falando sério.
Ele me lançou um olhar de canto, atirou o plástico no lixo e respondeu:
— Você não gosta?
— Hm… — cocei o queixo, pensativo. — Na verdade, acho que é o seu charme. Eu que sou meio lerdo.
— Lerdo mesmo.
— Ei!
— Sou assim. Não sei ser de outro jeito.
— Posso perguntar uma coisa, então? Já teve namorada?
As sobrancelhas grossas dele se arquearam, visivelmente irritadas.
— Pra que quer saber?
— Curiosidade. Só fico pensando quem teria coragem de se apaixonar por alguém como o senhor.
— Garoto atrevido — rosnou, virando-se para sair.
— Ei, volta aqui! — Corri pra alcançá-lo, girando na frente dele e andando de costas. — Tá bravo? Desculpa, vai…
Nenhuma resposta. O silêncio me deixou aflito.
— Poxa, tio… eu tô arrependido, de verdade. — Suspirei, desistindo. — Fica bravo comigo não.
Ele parou e cruzou os braços.
— Eu é que devia estar bravo, não você.
— Não tô bravo, só chateado por ter te desagradado. É diferente.
Nada. Nenhuma reação.
— Já basta levar bronca da vovó o tempo todo. Agora até o senhor tá bravo comigo. Daqui a pouco fico sem amigos aqui. — murmurei, cabisbaixo.
Quer dizer… ainda tem a Padmé, filha da dona da mercearia, mas ela é menina. Eu queria um amigo homem, poxa. E justo com o tio Hem eu fui pisar na bola. Que azar.
Ele suspirou, finalmente cedendo.
— Eu…
Antes que completasse, o rádio preso ao cinto chiou alto:
[“Atenção, equipe! Suspeitos avistados a leste do parque. Ponto de encontro imediato.”]
O semblante dele mudou. Ficou sério, concentrado, e — droga — incrivelmente bonito assim.
— Consegue voltar pra casa sozinho?
— Hã? — pisquei, surpreso. — Então… não tá mais bravo?
— Tenho pena. Ficar com raiva seria perder tempo.
Não entendi, mas aceitei o perdão de bom grado. Ufa! E prometi mentalmente: nada de perguntar sobre namoradas de novo. Vai que ele resolve me sedar com um dardo de tranquilizante.
Ele me entregou uma cesta que eu nem percebi quando pegou.
— Vai trabalhar.
— O senhor também. — sorri, levantando o polegar. — Boa sorte!
O canto da boca dele se contraiu — um quase sorriso.
— Todos os jovens são agitados como você?
— Claro que não. — Falei orgulhoso. — Eu sou único!
Ele balançou a cabeça e foi embora, mas ainda olhou pra trás algumas vezes. Aposto que tava preocupado comigo. Os adultos sempre caem na minha lábia, no fim.
Mas, enfim, eu ainda tinha que fazer compras, e se demorasse, vovó ia brigar. Dei alguns passos e… ploc — algo grudou no meu pé.
Ai não! Lama. E no meu tênis Balenciaga! A mamãe vai me matar. Espero que tenha chinelo pra vender nesse mercado…
“Fifa!!”
— Hã? — acordei boquiaberto, ainda com a cabeça molhada. — Já estava dormindo no balde de lavar!?
— Hm… — murmurei, sonolento, lembrando que antes estava lavando a louça e, de repente, todo o rosto estava ensopado e cheio de espuma. Ainda bem que a vovó gritou a tempo ou teria me afogado no balde!
— Vamos, levanta! — disse ela, puxando-me gentilmente. — Lave o rosto e depois pode começar a entregar o almoço.
— Posso tirar um dia de folga? — reclamei.
— Não! Ou quer que eu vá entregar por você?
— Podemos contratar alguém? Eu pago! Tô cansado.
— Um dia e você já reclama como urso faminto… — resmungou a vovó.
Suspirei. Que mundo cheio de coisas pra descobrir, hein?
Preparei-me, lavei o rosto e peguei minha bicicleta para cumprir minha função. Hoje eram apenas duas entregas. A primeira: para a Padmé, minha primeira amiga (ela nem sabia ainda).
— Almoço chegando! — gritei em frente à loja dela. Mas ninguém atendia, só a TV ligada.
— Padmé! Trouxe seu almoço!
Ainda sem resposta. Estranho… cadê ela?
— Fifa, oi! — sussurrou alguém por trás. Virei e lá estava Padmé, aparecendo do nada.
Ela estava diferente: o cabelo ondulado, volumoso, e com um visual bem mais ousado que ontem.
— Chegou, né? — disse, soltando a alça do vestido vermelho.
— Hã… — gelei. — Uau… você tá linda hoje.
— Sempre me visto assim, só ontem estava preguiçosa — ela disse, balançando os cabelos na minha cara. — Gostou?
— Gostei… — disse, envergonhado, entregando o dinheiro. — São 170 baht.
Ela tirou o dinheiro do bolso com um gesto tão fofo que meu coração disparou.
Enquanto eu ainda tentava me organizar, um homem gritou:
— Padmé! — correu e a segurou pelo braço. Meu Deus, era o pai dela!
— Pai! — ela reclamou, tentando se soltar. — Não me bata, tem gente olhando!
— Ei, garoto, é você, não? — disse o pai, percebendo-me.
— Hã… — respondi nervoso.
— Sou do time que ajudou seu irmão hoje cedo. Lembra? — ele explicou, sorrindo agora.
— Ah, certo. Então o tio Hem também trabalha aqui… — falei, percebendo a conexão.
— Sim, ele é subordinado do seu tio. — explicou o pai. — Não leve a mal, ele só gosta de brincar com jovens assim.
— Haha, tranquilo, acho que era só uma brincadeira.
— Só uma brincadeira ou sério? — perguntou o pai, olhando a filha.
— Sério, pai! — ela retrucou. — Só queria conversar com alguém da minha idade!
— Isso se chama “ficar de flerte”! — o pai exclamou, divertido.
Resolvi não me intrometer mais. Entreguei os 170 baht ao pai dela.
A segunda entrega: Departamento de Parques Nacionais, picadinho de codorna com ovo frito, 90 baht.
— Parece que a reunião acabou agora, então só pediram uma refeição — explicou o pai.
Fui até lá, mas ninguém atendia. A sala de reuniões estava vazia, só papéis e equipamentos estranhos.
Vi um quadro de honra com o nome de Hem: dedicado à proteção da fauna e flora, com elogios formais.
Sorri sozinho. Que chefe incrível! Ainda jovem, mas já com grandes feitos.
De repente, percebi uma porta marrom. Havia outro cômodo.
Ao abrir, vi Hem dormindo, sem camisa, com um livro aberto na cama bagunçada.
— Uau… o chefe também tem quarto! — pensei, encantado.
Aproximando-me, notei o peito definido subindo e descendo conforme respirava.
— Impressionante… — murmurei, admirando a forma física. Um corpo assim exige treino sério.
Resolvi acordá-lo:
— Tio Hem…
Ele mexeu-se.
— Tio Hem! — tentei mais alto, mas ele só se assustou, ainda dormindo profundamente.
Antes que pudesse continuar, ele agarrou meu braço com força.
— Ei! — gritei, surpreso. — Não está dormindo de verdade, né!?
“O que você está fazendo?” A voz grave ressoou debaixo do livro. “Que falta de educação.”
“Ei, por que está me xingando?!”
“Por que entrou sem bater na porta?”
“Ah, mas eu bati até a mão doer, tá? Quem não ouviu foi você!”
“Hmph.” O oficial do departamento de parques jogou o livro em cima da mesa ao lado da cama. E foi então que pude ver seu rosto: jovem, mas ao mesmo tempo intenso e marcante. Ele parecia recém-acordado, ainda com os olhos semicerrados, tentando se ajustar à luz do sol que entrava no quarto.
De repente, sua mão grande, que segurava meu braço, deslizou lentamente até agarrar meus dedos.
E-eu… arrepiei da cabeça aos pés. Huhuhu.
“Que horas são?”
“…”
“Hmm?” Ele percebeu que eu olhava para algo e acompanhou meu olhar. Quando notou que estava segurando minha mão às escondidas, imediatamente afastou, como se fosse algo sujo.
Eita! Por que fez isso?!
“Foi sem querer, não queria mesmo segurar.” Ele se encostou no travesseiro, cruzando os braços e me encarando. “Mas é macia. Valeu.”
“Se o senhor tivesse minha idade, já teria levado um xingamento na lata.”
“Se tiver coragem de xingar alguém que te ajudou, tente.” Ele voltou a ter a expressão séria de sempre. “Não se esqueça de quem te levou ao mercado hoje cedo.”
“…”
“Então, por que veio aqui?”
Caramba! Perguntou como se eu estivesse atrapalhando! Queria puxar um susto nele.
“Você pediu comida na minha loja, esqueceu?” Mostrei a sacola na minha mão, orgulhoso.
“Não esqueci. Ainda não comi nada desde cedo.”
Uau… já era quase meio-dia, e ele ainda não tinha comido? Um robô?
“Então receba logo e me pague, que quero voltar pra casa.”
“Casa? Em Bangkok?”
“Casa da vovó!!” Como eu iria pedalar até Bangkok? Um caminhão teria me atropelado antes de chegar ao parque.
“Ah, pensei que não aguentava ficar aqui e queria fugir pra casa.”
“Eu fugiria de casa por causa de alguém como você!” Fitei-o com as mãos na cintura. “Agora pega a comida!”
“…”
“Está olhando pra quê? Pega logo e me paga também.”
“Não.”
Fiquei sem reação. “Como assim?”
“Se quiser o dinheiro, senta e espera. Só te pago quando eu terminar de comer.”
Caramba! Fiquei indignado. “Por que eu teria que esperar você comer?”
“Estou entediado.”
“Hã!?”
Ele deu de ombros, mas a expressão revelava claramente que estava zoando. “Pessoas mais velhas deveriam ter alguém cuidando delas.”
“Você acha que tem 170 anos ou quê? Me dá o dinheiro!!”
“Fica a seu critério: volta de mãos vazias ou espera e recebe o dinheiro da comida e…”
“…”
“…com gorjeta.”
O quê?! Ele vai dar gorjeta?! Meu Deus, com todo seu jeito mão de vaca herdado da mãe, mas ainda assim… sentar e esperar está valendo. Um bônus por preguiça.
Ele sorriu ao ver que eu me sentei calmamente na beira da cama.
“Por que sorri? Come logo, não quero esperar o dia todo.”
“Hmph.” O homem sem camisa pegou a caixa de comida, mas antes de dar a primeira mordida, o rádio sobre a mesa chiou. Era o mesmo de hoje cedo.
[Chefe! O “Ei Dam” deu à luz! Quer vir ver? Mudança!]
“Ei!!” Ele arregalou os olhos e pulou, deixando minha caixa de comida aberta. Parecia um cachorro bagunçado.
“Vamos! Pergunta quem vai comigo!” Ele disse, ainda comendo rapidamente o ovo frito.
Uau… tão apressado assim?
“Não seria melhor comer primeiro?” Perguntei, preocupado.
“Não posso! É muito importante!!!”
“Mas disse que estava com fome.”
“Estou, mas preciso ir agora.” Ele pulou desajeitadamente para o carro.
Tão importante assim? Quem é esse “Ei Dam”? Uma subordinada? Vale a pena largar a comida para ir até lá?
Respirei fundo. Sou bom menino, então vou ajudar a aliviar a situação do chefe.
“O que você está fazendo!?” Ele arregalou os olhos quando vi que eu segurava a colher cheia de comida.
“Vou te alimentar.”
“…”
“Abre a boca.”
“…”
“Rápido, senão não vai dar tempo de ir ao tal ‘Ei Dam’.” Mesmo sem saber quem ou o que era, eu segui firme.
“…” Ele hesitou, mas acabou mordendo a primeira porção. Finalmente!
Não perdi tempo e coloquei a segunda, terceira e quarta porções na colher.
“Estou cheio!”
“Só mais um pouco e termina.”
“Você é um maluco…” Ele balançou a cabeça, mastigando o que ainda estava na boca. “Chega!”
“Come tudo!!”
“Arghhh!”
[Chefe! Estamos na frente da casa!]
“Estou indo.” Ele olhou para mim com cara de mau humor. “Terminou?”
“Ah… sim, terminei.”
“Então vou.” Ele me largou, contornou a caçamba e pulou com agilidade. Único sem camisa, enquanto os outros estavam todos uniformizados.
Mas ei, não vai agradecer? Que egoísta!
Bum! Bateu na caçamba, parecia animado com o trabalho que ia fazer. “Vamos logo!!”
Suspiro. Parece coisa urgente. Melhor eu voltar rápido para ajudar a vovó antes de levar bronca.
“Fifa!”
Ainda nem toquei na bicicleta rosa, mas ele chamou para eu olhar para a caçamba.
“Valeu!!” Ele gritou, competindo com o motor.
“…”
“Não esqueci da gorjeta, vou te dar junto com o dinheiro da comida à noite!!”
Ri sozinho ao ver ele quase perder o equilíbrio quando o carro arrancou. Sorte que os subordinados seguraram.
Suspiro… olha só quem é o adulto aqui.
Mas enfim… bom trabalho, chefe.
Levantei a mão para responder antes que ele sumisse na curva.
“Vou esperar, hein!!”
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por comentar!! _ (: 3 」∠) _
Por favor Leia as regras
+ Sem spam
+ Sem insultos
Seja feliz!
Volte em breve (˘ ³˘)