26 de set. de 2025

Ai no kusabi Vol.01 - Capítulo 06

Capítulo 06

O vento, soprando da faixa verde sob o céu azul-escuro, a cada dia se tornava mais frio. A luz solar cintilante, iluminando o azul celeste, nesta época do ano era fresca e brilhante.

Ceres. Uma hora e cinquenta da tarde.

A máquina voadora deslizou pelo desleixado centro da cidade como uma língua de serpente cintilante. As pessoas, como uma só, se viravam para ela, passando por eles na beira da percepção. As luzes traseiras piscavam sem parar, enquanto o automóvel ziguezagueava pelas ruas, como se atraísse atenção para tal espetáculo curioso.

A elegância da carroceria prateada de alta qualidade era perceptível à primeira vista. Nenhuma mancha ou escorrimento estragava a superfície metálica. Com suas dimensões compactas, a beleza funcional do corpo aerodinâmico falava de uma eficiência incomum.

Essa invejável joia, a possibilidade de vê-la tão raramente concedida aos habitantes dos cortiços, passou pela rua principal, espalhando lixo pela calçada e levantando pequenos redemoinhos de poeira.

Direto no prédio, na encruzilhada.

Os observadores exalaram surpresos. Não conseguiam desviar o olhar.

Aparentemente, o dono da máquina, que se divertia, finalmente se satisfez com o espetáculo organizado, e o carro aéreo desceu.

— Mas quem é esse afinal? — todos se perguntavam. Como é possível voar aqui com uma coisa tão obviamente fora de lugar?

Facilmente ignorando o ruído incômodo, a máquina deslizou para o chão e parou. Com a maior elegância e sem o menor rangido ou resistência, a porta se abriu suavemente. A multidão barulhenta congelou e prendeu a respiração na expectativa, quando uma figura masculina flexível saiu do carro. Quando o rosto do homem apareceu, a multidão se agitou.

Ali estava de pé, renovado e estiloso, quase irreconhecível, Kirie.

Seu magnífico terno sob medida quase brilhava em sua figura esguia. O peito estava descoberto exatamente o suficiente para mostrar a corrente de ouro. A pulseira em seu pulso esquerdo irradiava um brilho incomum, como se fizesse parte do conjunto. Para os que sabiam, não era apenas um adereço barato.

As pessoas suspiravam invejosamente contra a própria vontade. Os olhares de inveja que acompanhavam não eram menos, senão mais pesados, enlaçando-o gradualmente como uma videira espinhosa e agarrada.

Mas a expressão do rosto de Kirie não mudou. Estacionando sua máquina aérea com a ajuda do controle remoto na mão, ele seguiu a pé para se livrar dos olhares que o acompanhavam, e na primeira esquina virou à esquerda.

No fim da rua havia um prédio velho e desgastado. Ele subiu ao quinto andar em um elevador antiquado, percorreu os corredores até o centro da construção. Era Laura, o esconderijo reserva de Riki e do resto da gangue.

Kirie aproximou-se lentamente da porta verde-escura e parou ali. Agora, em seus lábios apareceu pela primeira vez um sorriso. No entanto, não parecia que sorrir tivesse sido provocado pelo pensamento de reencontrar velhos camaradas após tanto tempo.

À esquerda, na parede, havia um pequeno painel, e Kirie, habitualmente, digitou a senha. A porta deslizou para o lado, como se o convidasse ao palco.

Quase imediatamente foi recebido pela frase abertamente sarcástica de Luke:

— Droga, e eu que pensei que era algum maldito aristocrata que levantou todo esse barulho.

Resultado de sua recente exibição. Ou, talvez, Luke quisesse colocá-lo em seu devido lugar. O novato sempre era considerado de menor patente.

— Você definitivamente subiu. Pode-se dizer que dobrou de tamanho.
— Sim, sim. Virou um espetáculo ambulante.

O véu caiu de seus olhos e eles finalmente viram Kirie em todo o seu brilho original e verdadeiro. Mas, ao que parecia, essa transformação não os preocupava nem um pouco. Parecia que mal tentavam zombar dele. Kirie sentiu em seu coração uma pontada de decepção.

E ainda assim ele respondeu:

— Ei, e vocês continuam os mesmos. Mas já que pedem com tanta cortesia...

O mesmo velho Kirie, incapaz de esconder sua atitude arrogante. Vestido de forma extravagante com toda a sua altivez. Ou, talvez, levantasse o nariz de propósito. De qualquer forma, a sensação de superioridade que Kirie emanava sobre eles era difícil de ignorar.

— Você se superou, Kirie — murmurou Guy com um sorriso forçado. — Mas não voe perto demais do sol.

Um golpe, e Riki jogou em meia voz:

— Ele continua sendo o mesmo moleque.

— Ei, ei, veja o mundo do ponto de vista dele. Ele voltou triunfante! Deixe-o puxar as calças e se exibir um pouco.

E mesmo tendo aparecido pela primeira vez em tanto tempo, Riki estava ali, despejando em seu rosto seu humor doentio.

Bem nos seus passos, janota. Mas semelhante granada verbal só Guy ousaria jogar nele.

— Heh, ainda se afogam nessa cerveja vagabunda? Da próxima vez trago um velho “Vardan” para vocês.

— Sério? Uau, parece que você está mesmo com dinheiro. Não sabia que pagar tão bem por vender seus camaradas para aqueles malditos androides.

Kirie corou, mas em vez de, como sempre, se irritar, ele sorriu de canto.

— Claro. E quando eu ficar sem opções, eu chamo você também. Mas, por enquanto, vou pegar o “Vardan”. Uma ou duas garrafas. Embora, por que ser mesquinho? Que tal uma caixa inteira, Vossa Graça?

— Bom, bom. Pode deixar comigo. Mais que o suficiente para você, a seu gosto, se embebedar na sarjeta. Só não vá bater as botas por lá.

Desse troca de farpas voavam faíscas, ameaçando se transformar em verdadeiro incêndio, então, dessa vez, Norris apressou-se a intervir:

— O que quer que você traga, serve. “Vardan” é bobagem em comparação com a briga com Jix e a sua molecada. Eles varreram do mapa o antro de Herm. Isso está completamente fora de controle.

Agora toda a razoabilidade de Kirie evaporou e ele tolamente começou a ridicularizar sua covardia:

— Choram no travesseiro à noite? Mas que vergonha. Os Bisões com certeza encolheram os rabos.

O silêncio que caiu lembrava uma cortina pesada. Kirie não conhecia o significado desse silêncio. Os problemas que enfrentaram. O conflito e a desordem que se desenrolavam na lâmina de uma navalha. Por isso, Kirie entendeu suas palavras de forma errada.

— Bem, se quiserem, eu lido com eles — disse ele, sem perder nem um grama de sua autoconfiança. — Se alguém não tiver estômago para a briga, basta me acenar, e eu tomo o seu lugar. — Sem sombra de timidez, afundava ainda mais.

— Ei, isso é incrivelmente gentil da sua parte — disse Norris secamente. — Sim, chega de conversa vazia. Esse cara não tem freio.

Dificilmente era a opinião de todos, mas bastava tocar no emaranhado de problemas enraizado em seus corações. Sem sarcasmo nem zombaria. Isso foi suficiente para deixar Kirie ainda mais confuso.

— O quê? Acha que estou me exibindo aqui? — ele disse, com a voz subindo. — Eu posso botar aqueles moleques do Jix na linha sem nem suar. — Totalmente imerso na ilusão e esquecendo-se de onde estava, Kirie ergueu desafiadoramente suas belas sobrancelhas.

— Bem — falar você certamente sabe, mas vou acreditar quando vir com meus próprios olhos. Não é fácil forçar uns moleques convencidos a levar a sério fanfarronices. Embora não caiba a nós reclamar do fato de que, para um punhado de fracos, desperdiçando seus ganhos e se agarrando à glória passada, ainda assim nos tratavam com respeito demais, incrível bondade da parte deles.

Luke e Sid trocaram olhares aprovando não tanto as palavras de Norris, mas como ele as disse e riram, o riso borbulhando em suas gargantas.

Kirie mordeu o lábio. Parecia-lhe que havia recebido algumas agulhadas, acariciando-o de propósito contra o pelo. Isso o irritava. Pela primeira vez, entendeu o que significava fazer um nome nas favelas. Se recuasse agora, seria a pior opção, por isso cerrou os dentes e falou:

— Muito bem. Logo verão do que eu sou feito. É melhor me levarem a sério.

Ele ousou manter sua opinião e se sentia no topo. Estou criando meu nome e vivo para isso! Mas primeiro precisava lidar com um problema mais urgente: derrubar a parede que estava em seu caminho. Só então Kirie se lembrou do motivo pelo qual fez todo esse caminho.

Ele se recompôs, respirou fundo e foi direto a Guy.

— Então, você pensou sobre a nossa recente conversa?

Ignorando Riki, Kirie sentou-se e olhou Guy direto nos olhos. Ele não mostrava nem o menor sinal do ressentimento e aversão que o preenchiam segundos antes, mudando de marcha sem esforço. Tal transformação impressionou até Guy. Mas isso não tinha a ver com o assunto.

Guy falou diretamente, sem tentar escapar:

— Se você fala do que eu penso, então minha resposta continua sendo não.

Kirie, contra a própria vontade, estalou a língua. Agora, à sua ferida, somava-se outra ofensa.

— Por isso eu perguntei se você não mudou de ideia. — A irritação incontrolável afiou sua língua, o tom se tornou mais áspero.

— Você é um fedelho irritante, Kirie.

— Mas por quê? — insistiu Kirie, com raiva. — Por que você recusa uma oportunidade de ouro? Não entende? Eles são a elite. Eles o viram e aprovaram. Por que recusar? Sem sentido.

Ele falava sem amargura ou sarcasmo, nem tentava bajular Guy. Pelo contrário, Kirie via a recusa como uma perda pessoal. Se conseguisse articular tudo, bastaria um raio de glória caindo sobre ele no processo.

Mas seu rosto aberto não tocou Guy nem um pouco.

— Você está tentando impor demais esse negócio, mas eu não vou cair nessa — disse Guy no mesmo tom.

— Mas, estou dizendo, é tudo honesto! — Kirie suspirou, como se não acreditasse. — Você pensa demais nisso.

— Uns Blondi de Tanagura querem fazer de nós, mestiços, seus escravos? — sibilou Guy pelos dentes cerrados. — Que piada idiota é essa? — o Riki, sentado ao lado, de repente levantou a cabeça. — Além disso — continuou Guy — você diz que fez todo esse caminho só para me chamar? Difícil de acreditar. Sou um cara comum, mesmo com lentes cor-de-rosa. Não acha que confundiram com alguém de nível mais alto?

— Por que reagir tão negativamente a isso? Só porque somos mestiços das favelas não quer dizer que temos que viver assim. Estou dizendo, não houve engano algum! Ouvi claramente: o cara que anda com um homem de cabelo preto. Naquela época você estava com Riki, então é você, certo?

Então sou eu, repetiu mentalmente Guy. Seu cabelo era cinza-carvão. Obviamente, sua identidade não interessava em nada aos Blondi. Com um homem de cabelo preto. Se ele disse exatamente isso, então o procurado era Riki.

Mas por quê? Por que chamar ele, e não Riki? Kirie insistia que desse acordo só havia vantagens. Talvez estivesse certo. Se se tratava dos Blondi de Tanagura, era impossível saber de que morriam. Como Kirie disse, talvez na vida cotidiana isso fosse imperceptível. Quando colocam um pedaço de carne bem debaixo do nariz, o senso comum exige agarrá-lo.

Mas ele estava com Riki desde o orfanato e podia descrever a si mesmo de forma objetiva e fria. Se se permitisse seguir seus desejos diante dele, as consequências seriam caras. Via a verdade desse princípio em todo lugar. Se restasse a menor dúvida, era melhor não se atirar de cabeça. Esse instinto foi decisivo.

Kirie pendurava diante de seus olhos uma isca cintilante. Não seja um covarde com medo de agarrar a chance. Mas Guy não iria violar os princípios básicos de sua vida.

— Vamos pensar de novo. Certo? Uma proposta tão excelente só um tolo não aproveitaria.

Mas Riki já estava cansado da tagarelice de Kirie.

— Ei! — interrompeu, inclinando-se para frente e agarrando-o pelo braço.

Kirie franziu o cenho e puxou o braço de volta.

— O quê? — rosnou ele, claramente descontente com a interferência.

— Esse é o mesmo Blondi que vimos no Leilão de Escravos?

— E se for?

Nesse instante, na cabeça de Riki surgiu a imagem de Iason. Aquele sorriso frio e significativo que ele vira no Parque Mistral. Uma estranha sensação de pânico gelado correu-lhe pela espinha. Ele se calou.

Kirie olhou para ele, seu olhar irradiando ofensa e sarcasmo.

— Não estão te convidando — disse ele com zombaria.

Mas Riki não deu atenção à provocação grosseira de Kirie. Suas reflexões silenciosas estavam concentradas em uma única pessoa. Na imagem daquele Adônis com toda a sua beleza assustadora e perspicácia. Em Iason.

Naquele dia, no esconderijo de Jix e sua gangue, jogaram uma bomba de gás lacrimogêneo. Com gritos e rugidos furiosos, envoltos na nuvem acre e sufocante, os garotos corriam do prédio sozinhos ou em pares.

A resposta dos espectadores e observadores aos seus pedidos de ajuda foi a fria indiferença.

Não, de modo algum indiferença.

Aos delinquentes retornava sua imprudência e crueldade, e embora faltasse coragem aos espectadores para aplaudir abertamente o instigador do “crime”, muitos murmuravam parabéns a si mesmos.

Bem feito para eles.

Diferente dos Bisões, que provocavam em igual medida medo e admiração, a gangue de Jix havia incessantemente gasto o crédito de boa vontade e tornara-se objeto de ódio geral nas favelas.

— Que espetáculo patético.
— Olhem só para eles, mijaram nas calças.
— Isso basta para transformá-los em um bando de bebês.

Eles se contorciam no chão, borrando lágrimas e ranho no rosto, e essa cena não despertava nem um pingo de compaixão, apenas aumentava o nojo e o desprezo.

Essa humilhação rapidamente fez de Jix objeto de piadas, e nas pessoas novamente despertou um sentimento de descontentamento. Ninguém sabia de onde vinha, mas sussurrava-se como um rumor verdadeiro: a causa da agitação de Jix Maddox à parte eram seus inimigos naturais, o fantasma dos Bisões e sua reputação igualmente fantasmagórica.

Olho por olho.

É assim que os Bisões se vingam. Os rumores corriam pelas favelas. Especulações se espalhavam como uma doença contagiosa em mutação, crescendo e mudando, infiltrando-se em cada canto, até atingir proporções epidêmicas.

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