Capítulo 09 :: Caminhos Cruzados
O encontro com Su Xiaolu foi no mesmo lugar de sempre o Blue Coast.
Foi ali que tivemos nosso primeiro encontro... e também a primeira vez que vi Yi Chen.
No palco, o guitarrista havia mudado: agora era um homem barbudo, de expressão feroz, berrando repetidamente a mesma pergunta:
“Você me ama ou não me ama?!”
Droga. Até as músicas resolveram conspirar contra mim.
Dei duas risadas secas e, desconfortável, servi vinho na taça de Su Xiaolu.
“Xiaolu…”
“Qin Lang, se tem algo a dizer, diga logo.”
Ela não se moveu. Apenas me fitava com aquele olhar calmo e triste.
Suspirei fundo e, repetindo mentalmente o velho ditado ‘antes uma dor breve que um sofrimento longo’, desviei o olhar.
“Eu acho que... devíamos terminar.”
As lágrimas que eu esperava e temia rolaram de imediato pelo rosto dela.
Linda, delicada, vulnerável.
Na mesma hora, me xinguei em silêncio:
“Qin Lang, você é um verdadeiro canalha.”
“Certo. Se é assim... então eu vou embora.”
Depois de um longo silêncio, quando eu ainda ensaiava as palavras certas pra tentar confortá-la, ela já havia enxugado as lágrimas e recuperado a compostura.
O quê? Só isso?
Seria um disfarce? Um surto? Fiquei ainda mais confuso.
Segurei o braço dela, assustado. “Xiaolu, você está bem?”
“Estou, oras. Acha que eu vou me incendiar por sua causa?”
Ela soltou uma risadinha suave.
“Na verdade, já fazia tempo que eu me preparava pra isso. Você andava tão distante... Só que ouvir você dizer as palavras ainda dói. Afinal, Qin Lang, você é um homem encantador. Dá vontade de se apaixonar. E é impossível ficar brava com você por muito tempo.”
Encantador? Fofo?
Hmph. Nunca soube se esses adjetivos eram elogios quando usados pra um homem adulto.
“Se não se importa... pode me dizer quem é ela?”
Ela perguntou com uma serenidade quase cruel, enxugando os vestígios das lágrimas.
Mulheres — mesmo as mais elegantes nunca resistem a querer saber quem venceu a disputa.
“Na verdade... você a conhece.”
Tentei sorrir, escolhendo as palavras.
“Eu conheço?”
Ela pensou um pouco. “Das mulheres que nós dois conhecemos, só consigo lembrar da diretora Wang, do Departamento Acadêmico...”
Pelo amor de Deus. Aquela senhora já está chegando aos sessenta.
Respirei fundo. Chega de rodeios.
“É o Yi Chen.”
“Yi... Chen?”
O choque fez com que sua boca se abrisse num ‘O’ perfeito juro que deu vontade de colocar um ovo ali dentro.
“Mas... ele é um homem!”
Ela parecia duvidar da minha capacidade básica de distinguir gêneros.
Assumindo o papel de professora da pré-escola, tentou pacientemente me reeducar.
“Pois é. E tem coisa pior.”
Suspirei e comecei a despejar tudo o que vinha entalado no peito.
Há certos tipos de mulher raros quando são suas namoradas, são ternas e gentis; quando se tornam amigas, são corajosas e diretas, capazes de te proteger com unhas e dentes.
Su Xiaolu era assim.
Eu tive sorte de conhecê-la mesmo que agora estivesse usando-a como confidente, logo após fazê-la sofrer.
“Que história... inacreditável.”
Ela franziu as sobrancelhas e os lábios, mas parecia mais intrigada que magoada.
“Então agora você está mesmo com o irmão do Yi Chen?”
“O que mais posso fazer? Você não ouviu nada do que eu disse?”
Perdi a paciência, a elegância e qualquer resquício de autocontrole.
“Escuta, Qin Lang primeiro: o Yi Chen te ama. E isso é fato.”
Ela tocou meu rosto com o dedo. “Eu conheço bem ele. Percebi que algo estava errado há tempos. Só não imaginei que o motivo fosse você.”
Fiquei em silêncio.
“E quanto ao Xiao Chen... você precisa contar a verdade. Logo.
Não dá pra esconder isso pra sempre.
Além do mais... você acha mesmo que, no coração dele, consegue substituir o Lu Feng?”
Levantei o olhar, surpreso.
Ela continuou:
“Talvez você seja só o substituto.
Talvez o que ele sente não seja o que você e Yi Chen pensam.
Então não carregue essa culpa como se fosse uma cruz. Fale com ele, aos poucos.”
“Xiaolu... obrigado.”
Minha voz embargou quase deixei cair o ranho no vestido dela.
“Chega, vai. Acabei de levar um fora e agora você quer chorar por outro? Aí sim eu pulo da janela!”
Ela ainda tremia um pouco, mas já conseguia rir de si mesma.
Percebi o quanto eu estava sendo egoísta e sorri, envergonhado.
“Tá bem. Um dia eu te apresento um cara incrível como compensação!”
“Dispenso! Tenho medo!”
Ela riu e pegou a bolsa.
“Vou pra faculdade. Ainda tenho que terminar uns desenhos. E não se preocupe vou ajudar com o Yi Chen.”
“Valeu! Deixa que eu te acompanho até lá.”
“Me acompanhar? Tá achando que é tão simples assim?”
Ela riu de canto. “Não precisa. O Yi Chen acabou de entregar o projeto e deve estar de bobeira. Aposto que ainda está no prédio.”
Peguei a indireta e suspirei.
“Xiaolu, mulheres que sabem fingir que não perceberam as coisas... são as mais adoráveis.”
Antes que ela retrucasse, peguei sua bolsa e me curvei teatralmente.
“Sua Majestade, permita que este cavaleiro a escolte!”
“Obrigada, Qin Lang.”
Conversamos pelo caminho, e por alguns minutos a culpa pareceu mais leve.
Na porta do prédio de Arquitetura, ela parou e me devolveu a bolsa.
“Foi um prazer, senhor cavalheiro.”
Coloquei a mão no peito e fiz uma reverência exagerada.
“Você é impossível.”
Ela sorriu, me empurrou de leve e, de repente, o sorriso congelou.
“Yi Chen? O que está fazendo aqui?”
Meu coração disparou.
“Vim pegar uns livros.”
Ele respondeu friamente, sem me olhar.
“Yi Chen…”
Minha voz tremeu, mas tentei soar natural.
Ele passou por mim como se eu fosse transparente.
A indiferença dele doeu mais que qualquer soco.
Quando já ia entrar no prédio, virou-se de repente.
“Você tem mesmo tempo pra tudo, hein? Enganando um, consolando outro... deve ser um talento.”
O desprezo no sorriso dele me atravessou como uma lâmina.
“Não é o que parece…”
Mas ele já havia se virado e entrado.
“Ele entendeu errado…”
Su Xiaolu murmurou, atônita.
“Deixa pra lá.”
Levantei a mão, exausto. Nesse momento, o celular vibrou.
“Alô!”
E uma voz estourou no meu ouvido Shen Chao.
“Mano! Já pensou no que vai fazer amanhã?”
“Amanhã?”
Pisquei, sem entender. “O quê tem amanhã?”
“Caramba, esqueceu? Seu aniversário!
Já encomendei o bolo, não se atreva a faltar. Ou vai comemorar só com o Yi Chen num encontro romântico, hein?”
Ele gargalhava do outro lado.
Droga, Shen Chao. Sempre com o timing perfeito pra me ferrar.
E claro que ele não sabia de nada nem sobre Yi Chen, nem sobre Xiao Chen.
Seria impossível explicar.
“Tá bom, tá bom. Eu vou. Do jeito de sempre.
Eu levo o Xiao Chen, e apresento uma amiga minha pra você.”
“Por que eu?”
Su Xiaolu arqueou a sobrancelha.
“Pensa pelo lado bom: bar de graça.”
Fingi leveza, forçando um sorriso.
“Você vai levar o Xiao Chen? E o Yi Chen?”
Ela me cortou com precisão cirúrgica.
“Yi Chen...?
Você acha que ele ainda quer me ver?”
Olhei na direção em que ele havia sumido e suspirei.
“Seu aniversário é amanhã?”
Xiao Chen arregalou os olhos.
“Por que não me contou? Agora não tenho nem tempo de comprar presente!”
“Ah, é só uma reuniãozinha. Nada demais.”
Tentei tranquilizá-lo, mas percebi o quanto ele se importava.
“Tudo bem, ainda dá tempo. Posso chamar mais alguém?”
Ele me olhou com um sorrisinho travesso.
“Meu irmão. O Yi Chen.
Quero que ele te conheça.
Quero que veja como você me faz feliz.”
Meu estômago se revirou.
“Ah... claro.”
Respondi num fio de voz.
“Vocês já se conhecem, não é?
Depois daquela vez... no carro, foi você quem me levou até a casa dele.”
“Só de vista.”
Evitei o olhar dele, fingindo naturalidade.
“Então posso convidá-lo?”
Ele perguntou, quase sussurrando.
“Tudo bem.
Se ele quiser ir... que venha.”
Cada palavra pesava uma tonelada.
Não achei que ele realmente fosse aparecer.
Mas no dia seguinte, no meu aniversário, Yi Chen chegou ao lado do irmão com o rosto impassível.
“Caramba!”
Shen Chao deu três voltas ao redor dos dois.
“São idênticos! Qin Lang, como não me contou que ele tinha um gêmeo?
Cuidado pra não se confundir quando for sussurrar ‘eu te amo’! Hahaha!”
Desgraçado.
Ri por fora, morri por dentro.
Yi Chen se levantou, claramente irritado, pronto pra sair, mas Xiao Chen o segurou.
“Yi Chen, esse é o Qin Lang. Você lembra dele, não é?”
Ele assentiu brevemente.
“Conheço. Mas não somos próximos.”
Tentei estender a mão.
Ele hesitou, depois apertou fria como gelo.
“O que houve? Está com febre?”
Instintivamente, tentei tocar sua testa, mas ele afastou a mão.
“Corta o bolo logo.”
Disse apenas isso e se afastou.
As velas tremulavam na penumbra.
Shen Chao gritava pra eu fazer um pedido.
Um desejo?
Sorri, amargo.
Que essa confusão termine logo.
Que todos encontrem o caminho certo.
Que Yi Chen e Xiao Chen sejam felizes.
Mas quando olhei pra ele, com o chapéu projetando sombra sobre o rosto, percebi o quão distante ele já estava.
“Qin Lang! As velas!”
Su Xiaolu me cutucou.
Assoprei depressa.
“Corta o bolo!”
Shen Chao passou a faca, empolgado.
“Você e mulheres bonitas... não muda nunca.”
Brinquei, tentando aliviar o clima.
“Yi Chen, essa fatia é pra você.
Tem amêndoas suas favoritas.”
Estendi o prato.
Xiao Chen pegou antes.
“Obrigado, Qin Lang!
Mas... engraçado, não lembro de ter dito que gostava de amêndoas.
Na verdade, prefiro frutas.”
Meu sorriso congelou.
O gosto de amêndoas... era o do Yi Chen.
E eu, idiota, havia chamado o nome errado.
Ele abaixou ainda mais a cabeça, pálido.
“Yi Chen, ouvi dizer que você toca guitarra!”
Shen Chao, bêbado e sem noção, tentou animar o ambiente.
“Guitarra? Eu?”
Xiao Chen piscou, confuso.
“Não sei tocar isso não.”
“Ah, o Shen bebeu demais.”
Intervim, tentando contornar.
“Mas se tocasse, seria lindo seus dedos são perfeitos pra isso.”
“Eu só sei piano.”
Ele riu, sem graça. “Quem toca bem é meu irmão.”
Yi Chen levantou o olhar por um segundo, forçando um sorriso.
Seus lábios estavam quase brancos.
“Você está com frio?”
Perguntei, estendendo a mão.
Ele recuou bruscamente.
“Vou embora. Não estou me sentindo bem.”
“Vamos juntos!”
Me antecipei, decidido.
“Já? Que pena!”
Shen Chao lamentou.
“Relaxa, irmão. Ainda vai ter tempo pra conquistar a sua musa.”
Do lado de fora, o vento era frio.
Yi Chen cambaleava, frágil como nunca.
“Melhor deixarmos ele em casa primeiro?”
Perguntei, já abrindo a porta do carro.
“Boa ideia.”
Xiao Chen o chamou.
Mas Yi Chen recuou.
“Vou na casa de um amigo jogar um pouco.
Não é no caminho.”
Mentira descarada.
Ele só não queria estar no mesmo carro que eu.
“Tudo bem. Se cuida.”
Forcei um sorriso.
Ele ergueu o olhar e murmurou:
“Leva meu irmão com cuidado.
Ou eu acabo te batendo.”
“Pode deixar.”
Respondi, vendo-o se afastar — os cabelos castanhos bagunçados pelo vento, o corpo ereto, teimoso e distante.
“Yi Chen precisa de tempo.”
Xiao Chen disse baixinho.
“Não o culpe, tá?”
“Eu jamais o culparia.”
Sussurrei.
No espelho retrovisor, fiquei observando até que o vulto dele desaparecesse na noite.
Só então, lentamente, liguei o motor.
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